sexta-feira, 10 de abril de 2009

Registro de uma pseudo-paquera

Tomou o ônibus com a roupa molhada pela chuva. O ar condicionado do veículo fez com que sentisse mais frio. A gripe a esta altura estava redobrada. Os longos cabelos amenizavam a ausência do casaco sobre as costas. Apesar de ter tido um dia estafante, sentia-se feliz por ter cumprido todos os compromissos da agenda. Encolhida encostada na janela, precisou se abaixar para pegar uma moeda que havia caído. Ao levantar, sentiu cócegas no nariz e de repente se pegou fazendo as típicas caretas que ensaiava antes do espirro sair. Com a língua para fora, seu olhar o fitou observando-a. Sem graça por tê-la surpreendido, ele ajeitou os óculos e voltou a ler a xerox que carregava. Já não era mais tempo. Nas folhas, as linhas se perdiam. No frio, o casaco tornou-se dispensável.
Dividiram momentos de cumplicidade telepática. Os mesmos questionamentos, as mesmas dúvidas que nunca seriam indagadas. Ao chegar à estação final, combinaram passos que os deixavam lado a lado. Sequer uma troca de olhar. Ele não era nenhum pouco do tipo que ela dizia admirar. Ele nunca havia se aventurado em uma paquera tão cotidiana. Ela apertou o passo e teve esperança de vê-lo ao dar aquela olhadinha para trás. Ele já havia parado em outra marcação da plataforma do metrô. Ela continuou andando sorrindo sem ao menos saber do que achava graça. Ele continuou a leitura. Dessa vez, concentrado. Ela chegou em casa, tomou banho e jantou. Ele foi dormir pensando nela. No dia seguinte, tudo voltou ao normal. Podem se cruzar novamente por aí, mas não saberiam reconhecer um ao outro. Se olharam muito rápido, apenas no relance da careta do espirro. Foi uma situação inesquecível, mas efêmera como quase tudo desse dia-a-dia,como as pessoas que entram e saem dos vagões pela cidade...

Um comentário:

Thiago Kuerques disse...

Otimo, otimo. Ja escrevi algo no mesmo sentido. A efemera vida que nos leva a nao levar nada.
Abraço