quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O Vidro de Azeitonas



Ela sempre viveu com mulheres. Foi criada com a mãe e a avó, o pai morreu quando ainda era criança. Aprendeu a fazer de tudo sem depender de uma opinião ou permissão masculina, como a maioria de suas amigas que dependiam do poder do sim e do não dos seus pais. Também descobriu formas de se proteger sozinha, nunca precisou de um irmão para bater nos moleques que lhe torravam a paciência na rua. Uma vez deu com o bico de sua bota na canela de um menino na saída da escola e este nunca mais ousou puxar seus cabelos e lhe chamar de bruxa.

Homem em casa só tinha de vez em quando, nos dias em que o irmão mais velho, que nunca morou com elas, vinha visitar a família. Era uma festa! Aquele macho era tratado como rei, tinha todos os mimos, comida servida no prato, roupa limpa e cheirosa todos os dias, só faltavam colocar-lhe a comida na boca. Em compensação, trocava todas as lâmpadas queimadas, consertava janelas quebradas, capinava o mato que invadia o jardim, arrumava o chuveiro, lavava o carro e, claro, abria todos os vidros de azeitona, palmito, milho... Coisas que todo homem sabe fazer. Às vezes recebiam também visitas de algum namorado da mãe, ou seu, que ia tomar um café, almoçar no domingo, e como pagamento era preciso carregar uma caixa pesada, ajudar na mudança dos móveis...

Sempre pensava em como seria chato o mundo sem homens. De quem iria reclamar? Sobre o que falaria com as amigas? Embora estivesse sozinha, já se preparava para um novo relacionamento que estava por vir. Teve alguns namoros bem sucedidos, outros nem tanto, mas fugia da idéia de casamento. Na verdade, era louca para se casar, mas tinha que fazer o tipo “mulher moderna”, completamente independente, que paga as próprias contas, sai sozinha no fim de semana, bebe (socialmente), e só pensa em ter um único filho, depois dos 35. E para ser coerente, tinha que dizer que não pensava em se casar. Pelos menos não tão cedo. E agora, sozinha no apartamento de 2 quartos que dividia consigo mesma, lembrava dos vários momentos em que se rendeu à ajuda de homens, alguns deles desconhecidos, seres insuportáveis que invadiram sua vida num momento de fraqueza: o zelador do prédio que desentupiu o ralo do banheiro, o vizinho que matou uma barata (“por que ele consegue fazer isso e eu não?”), o corpo de bombeiros quando seu cachorro escondeu-se no alto de uma árvore, um brutamontes que trocou o pneu do carro quando ia de férias para a Bahia. Era o que se lembrava agora. Nestes momentos reconhecia o valor de um homem e decidia-se a arrumar logo um marido, ou noivo, ou namorado, um amigo talvez, um amigo gay, o que fosse! Precisava de um homem em casa, ou pelos menos por perto, do tipo que chegasse em instantes depois de acionado. Algo do tipo serviço de entrega, “Delivery”, “Pizza Já”, “Atendemos em domicílio”, “Ligue e receba”, “190”. “Serviço de emergência, qual o problema, senhora?” “- É que minha pia entupiu e não consigo resolver. Dá pra mandar alguém pra me ajudar. Ah, de preferência moreno, com mais de 1,75m de altura...” Até que não era má idéia...

Sempre ouviu amigas reclamando dos maridos, das meias jogadas no chão, da tampa do vaso sanitário sempre respingada, dos ataques de má educação à mesa, dos jogos de futebol na tv. Lembrava de alguns namorados, como eram folgados e mimados, dependentes. Se ela, mulher, fazia de tudo para não depender de nada e de ninguém, por que cargas d’água dedicaria sua vida a um homem dependente, incapaz de levar o copo até à pia e pendurar a toalha molhada no seu devido lugar? Era demais. Por outro lado, como viver sem, digamos assim, as coisas que só eles poderiam lhe oferecer?

Sentada à mesa da cozinha, quase desfalecida, chorava feito criança abandonada, as mãos sobre os cabelos horrorosamente desfeitos, uma bruxa. Olhava fixamente para a lata de azeitonas, o molho quase queimando no fogo, o chuveiro queimado no banheiro esperando uma visita inesperada. Soluçava. Não tinha forças para se levantar e chamar o porteiro, nem coragem para ir até o vizinho. “Por que esta droga de tampa não se abre sozinha? Aaaabre-te, sésamo!!!” Enlouquecia. Certamente o guisado ao molho de azeitonas ficaria sem azeitonas. E mais do que nunca, agora ela estava certa: como faz falta ter um homem em casa...

3 comentários:

Unknown disse...

Como eu ri do post.

Como sempre, muito bom.

E uma boa propaganda pro homens, oa fim de tudo.

Mariana Moreno disse...

Às vezes a gente tem dificuldade de assumir, mas um homem em casa faz falta sim...rs

adorei!!!

Unknown disse...

Olha, meu marido qd nao está em casa faz muita falta, mas não é por nada disso. E sim pela cia, pelo amor, carinho, sexo, risadas, massagens no pé, barulho ao fundo de futebol, alguém que elogia minha comida, que diz q estou linda mesmo com quase 40kg acima do peso antes de dar a luz. Homem e mulher junto, se amando, se repeitando e convivendo é a coisa mais legal q existe. Ah essas solteironas "modernas e independentes"... não sabem o que estão perdendo.