domingo, 2 de maio de 2010

Sonhos


Acordou assustada achando que o despertador não havia funcionado. Esqueceu-se que por mais um dia não precisaria dele. Conferiu a hora. Na mesa de cabeceira um porta-retrato de madeira denunciava um sorriso que ela mesma não via há tempos. Ao lado, um bloco de anotações rabiscado. Tarefas não feitas, traços geométricos e o nome repetido inúmeras vezes como num mantra. Levantou-se e abriu a janela. Nuvens embaralhadas formavam desenhos incompreensíveis no céu. A xícara do café da manhã do dia anterior continuava na mesa do computador dividindo espaço com farelos abrigados por formigas agitadas.
Jogou-se na cama novamente desejando que ela balançasse como se estivesse em um colchão d’água. Olhou o relógio mais uma vez. Quis mexer nos ponteiros, acelerá-los, voltá-los. Olhou para o ventilador, rápido e seguro, com rotações firmes e quase silenciosas. Olhou fixadamente para ele, depois fechou os olhos e se viu num daqueles brinquedos de parque de diversões, rodando, rodando, rodando constantemente em movimento eterno. Quis ser a nuvem. Quis ser a formiga. Quis ser o ponteiro. Quis ser o ventilador. Quis ser ela mesma na foto com sorriso largo. Quis ser o movimento. Quis dormir novamente para sair da inércia porque quando sonhava não podia tocar o chão. Nos sonhos ela podia voar e ser mais do que formiga, ventilador e ponteiro. Ela podia ser a nuvem,e junto com outras nuvens ser incompreensível e admirável. Nos sonhos ela podia tocar o céu.

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